Em entrevista à Agência ABCR, o médico especialista em poluição atmosférica e Professor da USP, Dr. Paulo Saldiva, avalia importantes aspectos sociais, econômicos e políticos relacionados com a melhoria da qualidade do ar na cidade de São Paulo.
Agência ABCR – Quais seriam os principais fatores que afetam a qualidade do ar na cidade de São Paulo?
No caso de São Paulo é o trafego. A maior parte da poluição na cidade hoje é de fonte móvel. São Paulo deixou de produzir bens, pois as indústrias migraram da cidade, e passou a vender serviços. Por exemplo, poucas pessoas moram hoje no centro da cidade, pois foi tomado por empreendimentos comerciais, shoppings, etc. Isso gera uma grande necessidade de mobilidade das pessoas e, com isso, milhares de pequenas chaminés embutidas nos veículos. E as pessoas também passam a perder cada vez mais tempo dentro dos corredores de tráfego, onde se verificam as maiores concentrações de poluentes da cidade.
Agência ABCR – O senhor acredita que, nesse cenário, a inspeção veicular possa ajudar a melhorar a qualidade do ar?
Sim, mas a inspeção veicular não é a solução definitiva. A solução definitiva é a mudança da forma de pensar a mobilidade na cidade. A inspeção veicular faz parte do elenco de medidas acessórias para melhorar a qualidade do ar. Já que existem veículos, é preciso que eles emitam menos poluentes o possível.
Agência ABCR – Quais seriam as alternativas para mudar esse cenário, tendo como foco a melhoria da qualidade do ar?
A cidade de São Paulo não tem um plano B e gasta mais investindo em infraestrutura de transporte, como construção de pontes, túneis e manutenção viária, que em transporte coletivo – embora essa tendência esteja se revertendo nos últimos anos. Mas ainda existe uma visão rodoviarista baseada no transporte individual. Por isso, é preciso melhorar muito a infraestrurura de transporte coletivo, e principalmente do transporte coletivo de baixa emissão, quero dizer, veículos novos, com calhas de ônibus mais exclusivas. A qualidade, o conforto, a eficiência e baixo preço têm que fazer parte dos argumentos para que o indivíduo deixe o carro em casa e vá de transporte coletivo. Uma cidade como Berlin, onde as pessoas andam de bicicleta, trem, metrô e ônibus, tem uma taxa de motorização maior que São Paulo, ou seja, tem mais veículo por habitante, mas é muito mais cômodo e rápido ir de transporte coletivo.
Em São Paulo, as pessoas que moram na periferia da cidade acordam muito mais cedo para chegarem ao serviço. Isso significa hora de sono perdida, o que prejudica a capacidade do indivíduo de estudar, ter lazer. Num congestionamento, existe ainda o stress social gerado pela insegurança e agressividade de alguns motoristas. Além disso, a temperatura nos corredores de trânsito é mais alta e a umidade relativa do ar é mais baixa. O trafego é, portanto, uma das condições mais predisponentes para desenvolvimento de doenças e stress. Um estudo do American Heart Association diz que o tráfego é tão causador de infarto quanto o cigarro e/ou a má alimentação. O problema é que as outras duas causas são de fórum individual, enquanto o tráfego é uma questão coletiva, fora do controle individual.
O caminho para que a gente chegue numa situação ideal passa por uma reavaliação, no sentido mais amplo, das formas de andar na cidade, considerando não somente a qualidade do ar, mas também questões relativas à poluição sonora, térmica e mental.
Agência ABCR – Existe no Brasil ou na América alguma cidade mais próxima do padrão relatado em Berlin?
Bogotá, Cidade do México e Buenos Aires estão desenvolvendo trabalhos interessantes. Buenos Aires, por exemplo, está fazendo um projeto grande de ciclorrotas, importante para a melhoria do transporte coletivo. No caso do Brasil, Curitiba pensou e ordenou o crescimento da cidade, baseado num sistema de transporte mais lógico.
Agência ABCR – O senhor acredita que programas de educação ambiental poderiam fazer com que cidadãos e autoridades tomassem uma postura mais consciente em relação aos problemas causados pela poluição? Sabe mencionar bons exemplos disso?
Eu acredito muito em educação, mas também acredito muito no caos. O indivíduo só vai mudar de vida depois que entupiu a coronária, pois o caos tira as pessoas da zona de conforto e as faz refletir melhor. Já vejo muita gente que está buscando reinverter a ocupação do centro da cidade, tentando deixar a região mais residencial, por conta das facilidades de transporte coletivo, como o metrô. Ou seja, isso significa que as pessoas querem usar transporte coletivo desde que ele seja de qualidade. Então eu acredito que esse desconforto diário vai dar forças para as pessoas exigirem uma solução política para que a situação melhore, utilizando seu espaço diário para alternativas mais eficientes de transporte. Temos bons exemplos disso, como a lei da faixa de pedestre, que reduziu em 37% a mortalidade de gente atropelada em São Paulo.
Agência ABCR – Como o senhor analisa a poluição veicular em São Paulo, considerando parâmetros internacionais?
Antes de responder essa pergunta, gostaria de fazer uma consideração sobre os estudos dos impactos ambientais para a implementação de monotrilho em São Paulo. Demorou-se um ano e pouco para fazer o impacto ambiental do monotrilho. Mas qual o estudo feito de impacto ambiental para licenciar 200 carros por dia? Nenhum? É interessante como se pode vender o carro que quiser, mas, para fazer transporte coletivo, tem mais restrições do ponto de vista legal. Agora, voltando à pergunta, São Paulo está numa fase intermediária no que se refere à poluição, pois não é tão limpa quanto as cidades norte-americanas e europeias, mas é mais limpas que as cidades asiáticas, africanas e do oriente médio. Mas, de qualquer forma, está duas vezes acima dos padrões da OMS, em média. Lembrando que nos corredores de tráfego esse índice é pior.
A cidade tem feito muita coisa e melhorou por conta da implementação de tecnologias. O motor veicular hoje, graças ao programa Proconve – Programa de controle de emissões veiculares, emite muito menos poluentes do que há 20 anos. Além disso, a saída das indústrias de dentro da cidade para os arredores ajudou a melhorar a qualidade do ar de São Paulo. Agora, a ideia de que vamos viver em uma cidade com mobilidade e sem poluição não existe. Mas é preciso encontrar um caminho consensual, uma saída econômica, política e ambiental, para resolver a q uestão da lentidão do tráfego e do aumento da frota. Será São Paulo uma cidade que irá privilegiar o transporte urbano? Irá tomar medidas para que isso aconteça? Quais? Ainda existe muito a fazer nesse aspecto.
Agência ABCR – A poluição atmosférica provoca doenças? Quais seriam as mais freqüentes?
Todas as doenças da caixinha do cigarro, mas em menor escala: infarto do miocárd