Em entrevista concedida à Agência ABCR, a engenheira química e consultora em asfaltos da Petrobras, Leni Figueiredo, avalia a malha rodoviária nacional, destacando a proposta brasileira para dimensionamento de pavimentos com base mecanística–empírica.
ENTREVISTA
Agência ABCR – Como a senhora a avalia a situação da malha rodoviária nacional, no que se refere à qualidade e a quantidade de rodovias pavimentadas?
Leni Figueiredo: A malha rodoviária está, tanto em qualidade quanto em quantidade, em péssima situação. O Brasil tem apenas 13% da malha pavimentada, e a Pesquisa CNT 2012 avaliou que 54,6% delas estão desgastadas e 18,1% estão com trincas e afundamentos. O mesmo levantamento mostra que a gestão concedida tem desempenho ótimo a bom em 90% da sua malha, enquanto que a gestão publica tem este desempenho em apenas 24,6% de sua malha. Esses dados são preocupantes porque nos países desenvolvidos a malha pavimentada varia de 50% a 100% do total existente, muito acima do registrado no Brasil.
Agência ABCR – Qual é o atual parâmetro de avaliação e análise da condição dos pavimentos da malha rodoviária nacional?
Leni Figueiredo: Existem os métodos do DNIT (Pro008 e Pro009/03) relacionados com a avaliação funcional, que classificam a condição do pavimento seja por levantamento visual contínuo ou avaliação subjetiva, levando a índices de estado da superfície ou valores de serventia do pavimento. Os métodos DNER (024/94 e 273/96) medem as deflexões para avaliação estrutural dos pavimentos. Temos um trabalho em parceria com a COPPE/UFRJ, desde 2006, que totaliza 15 quilômetros de trechos experimentais na Ilha do Fundão; já as universidades que trabalham conosco, na rede temática, têm 25 trechos experimentais em monitoramento. O parâmetro de avaliação e análise desses trechos conta com a determinação das deflexões para avaliação estrutural com o FWD e viga Benkelman, e a avaliação funcional através do levantamento do índice de irregularidade, percentual de área trincada, afundamento médio de trilha de roda, microtextura pelo Pendulo Britânico e macrotextura por mancha de areia. A ideia é utilizar esses trechos experimentais para validar o projeto de dimensionamento SISPAV desenvolvido na COPPE/UFRJ que, por sua vez, se baseia no MEPDG americano.
Esse é um projeto da rede temática de asfaltos da Petrobras, iniciado em 2006, com a reforma e construção de laboratórios em universidades. Está na sua segunda fase de desenvolvimento, que compreende o projeto brasileiro de dimensionamento de pavimentos em conjunto com cerca de 10 universidades e com o Instituto de Pesquisas Rodoviárias do DNIT. Através dos resultados dos ensaios de desempenho em laboratório e o monitoramento em campo dos defeitos pretende-se estimar o fator campo/laboratório necessário para calcular a vida útil e decidir adequadamente sobre as espessuras das camadas.
Agência ABCR – A senhora acredita que uma nova metodologia de dimensionamento de pavimentos poderia contribuir para melhorar o cenário de degradação dos pavimentos da malha rodoviária nacional, na maioria das vezes creditado à falta de conservação ou má execução de serviços?
Leni Figueiredo: Com certeza, muito embora a boa execução de serviços e a conservação de pavimentos sejam fatores extremamente importantes para construção adequada e manutenção da malha rodoviária em bom estado. O projeto de dimensionamento é a célula-mãe do pavimento. O dimensionamento atual não leva em conta a temperatura do revestimento nem o envelhecimento do ligante. Utiliza o método CBR para caracterização de subleito, que não é o mais adequado para solos tropicais, o conceito de camada asfáltica única e a base de brita. Também não considera o efeito do trincamento por fadiga, que é o principal defeito dos pavimentos brasileiros, além de ser empírico, sem embasamento nas propriedades fundamentais dos materiais.
Um projeto de dimensionamento com estimativa cientifica da sua vida útil, baseado em propriedades fundamentais dos seus materiais de construção, levando em conta a previsão de dano, seria o primeiro grande avanço para a melhoria de qualidade dos pavimentos brasileiros. Certamente, este pavimento tem que ser bem executado e mantido. Por isso, a nova metodologia do projeto de dimensionamento tem que vir acompanhada de execução bem feita dos serviços de pavimentação e intervenção apropriada durante a vida do pavimento.
Agência ABCR – Em sua palestra no *CBR&C, a senhora abordou a proposta brasileira para dimensionamento de pavimentos com base mecanística–empírica. O que é quais seriam os principais avanços dessa proposta?
Leni Figueiredo: Esta proposta se baseia na consideração das propriedades mecânicas fundamentais de todos os materiais que compõem cada uma das camadas do pavimento, levando em conta os fatores ambientais, a técnica construtiva, além do perfil do tráfego, utilizando o método de cálculo de tensões e deformações baseado na teoria da elasticidade aplicada ao sistema de camadas para determinar os esforços críticos nas diferentes camadas, permitindo, assim, ajustar os materiais e espessuras para que suportem tais esforços ao longo da vida útil do pavimento. Considera, iterativamente, parâmetros de desempenho – trincas por fadiga e deformação permanente, para a estimativa de vida útil, empregando funções de transferência até chegar a decisão final das espessuras e tipos de materiais.
Agência ABCR – Que tipo de avanço tecnológico o Brasil precisa para melhorar a qualidade dos pavimentos? Existe alguma experiência internacional que pode ser bem aplicada aqui?
Leni Figueiredo: O Brasil necessita de ensino de pavimentação nas universidades e cursos de atualização nos órgãos rodoviários. Necessita, também, de treinamento da mão de obra de nível médio. Essas intervenções na educação voltadas à área rodoviária já estão sendo feitas pelo Programa Asfalto na Universidade e o Projeto Pavimentar por iniciativa da Petrobras e ABEDA e ANEOR. Mas ainda necessitamos de revisões das especificações. As especificações brasileiras atuais de materiais, dosagem de misturas, serviços e dimensionamento de pavimentos têm um atraso de mais de 40 anos. Nos EUA houve um avanço nos anos 90 que alterou as especificações de ligantes, agregados e misturas betuminosas e ainda houve o desenvolvimento de metodologia de dosagem de misturas as fálticas com compactador giratório em substituição ao Marshall. Mais tarde, em 2002, foi desenvolvido o novo método de dimensionamento mecanístico empírico de pavimentos MEPDG que está sendo empregado também na China e no Japão.
A Europa também emprega projetos mecanístico empíricos. A cada dia surgem novos materiais de pavimentação, não apenas ligantes asfálticos modificados, mas também materiais alterna