Em entrevista à Agência ABCR o consultor em segurança no trânsito J. Pedro Corrêa relata como o País pode colocar em prática um plano nacional de segurança viária para os próximos anos, seguindo a iniciativa das Organizações das Nações Unidas (ONU) em realizar a “Década Mundial de Ações de Trânsito”. J. Pedro participou como palestrante da sétima edição do Congresso Brasileiro de Rodovias e Concessões – CBR&C 2011, realizado pela ABCR, no período de 24 a 26 de outubro, em Foz do Iguaçu (PR), destacando que é preciso institucionalizar, na sociedade brasileira, a cultura da segurança no trânsito, para que haja redução dos altos índices de mortalidade e de feridos do trânsito brasileiro.
Agência ABCR – No Brasil, as estatísticas de acidentes e mortes no trânsito são chocantes para a maioria dos especialistas. Como o senhor avalia esse cenário e as ações das autoridades para resolver essa questão?
J. Pedro – O Brasil está numa situação realmente muito delicada quando o assunto é trânsito. Nós somos uma nação em pleno desenvolvimento, talvez a sétima economia do mundo, segundo dados do governo, e estamos caminhando para sermos a quinta dentro de alguns anos. Temos avançado em muitas áreas e assuntos, mas no trânsito estamos patinando feio. Infelizmente, a questão está basicamente na falta de cultura de segurança no trânsito em nosso país; e, por conseqüência, em não tratar o trânsito como prioridade.
Nossos governantes, e grande parte da população, nunca tiveram aulas de trânsito, sobre conceitos de segurança. Então, ninguém valoriza isso. De uma forma geral, a sociedade brasileira valoriza muito mais o fluxo dos veículos do que a segurança dos veículos ou a segurança dos passageiros que estão nesses veículos, e isso ajuda a explicar o grande volume de acidentes de transito no Brasil.
Agência ABCR – Qual é a medida do problema?
J. Pedro – Em 2010, os números do Ministério da Saúde mostram que o país teve um número de acidentalidade que passou de 40 mil mortos. Isso é muito ou é pouco? É muito, é demais, é demasiado, é excessivo ou talvez, mais do que isso, é inaceitável! No Brasil, em decorrência do trânsito, morrem aproximadamente 19 pessoas por grupo de 100 mil habitantes. Na Suécia, que é um país líder em segurança de trânsito no mundo, morrem 3,5 por grupo de 100 mil habitantes; na Holanda, 3,6; na Inglaterra, em torno de 5; na Austrália, um pouco mais de 6. Mas de qualquer maneira, existe um abismo entre os números desses países e os números que estamos registrando no Brasil. Mas o pior no Brasil não são esses números, que consideramos horrorosos; o pior é que nós não estamos vendo nenhum esforço por parte do Governo em organizar uma frente de reação que possa combater essa epidemia. É por isso que chega em muito boa hora a Década Mundial de Ações de Trânsito, recomendada pela ONU e coordenada pela Organização Mundial de Saúde, cujo objetivo é reduzir pela metade as fatalidade no trânsito até 2020.
Agência ABCR – Para enfrentar a realidade brasileira de acidentes e vítimas, algumas entidades defendem a elaboração de um plano nacional de segurança viária. Essa estratégia ajudaria a diminuir o número de vítimas do trânsito brasileiro?
J. Pedro – Necessariamente, isso traria benefícios enormes, mas não basta ser um plano. Porque se for um plano com a estrutura que nós temos hoje no Sistema Nacional de Trânsito, este plano tende a não oferecer um resultado concreto ou positivo. O ponto de partida para uma tomada de posição, para uma tomada de reação em relação ao problema, está na prioridade que o Governo passe a dedicar ao trânsito. Se o Governo mostrar que tem interesse em resolver o problema, eu diria que as coisas se encaminhariam de uma maneira muito fácil. Agora, é preciso que o Governo mostre interesse.
Agência ABCR – Como o senhor avalia a estrutura dos órgãos que tratam da questão do trânsito no Brasil?
J. Pedro – Nós temos um sistema muito mal composto, com um CONTRAN que é insuficiente para dar o devido respaldo às ações do DENATRAN, que, por sua vez, está muito mal estruturado. Hoje, o DENATRAN possui algumas dezenas de funcionários, muito deles emprestados noutros ministérios, e que não têm a competência necessária para gerenciar o sistema de trânsito brasileiro. Então, é preciso ter um plano, sim, mas é preciso que esse plano seja considerado prioritário, que esse plano seja baseado numa estrutura organizacional que tenha condições de implementar as ações que esse plano recomendar. A partir disso, sim, nós podemos ter certeza de que o trânsito brasileiro pode melhorar drasticamente. Eu não tenho a menor dúvida que, com esse começo, as coisas começariam a acontecer.
Agência ABCR – Como a segurança viária pode ser abordada dentro da iniciativa das Organizações das Nações Unidas (ONU) em realizar a “Década Mundial de Ações de Trânsito”?
J. Pedro – Os números estão mostrando: quarenta mil mortos por ano, 500 mil feridos, 30 ou 40 bilhões de Reais que são gastos por conta dos acidentes de trânsito no Brasil. Tudo isso é mais do que suficiente para iniciarmos uma grande frente de mobilização nacional em favor de um trânsito seguro. Então, é simplesmente cuidar; não há necessidade de grandes esforços, de grandes estudos, porque hoje se sabe claramente onde estão os principais problemas do trânsito brasileiro e por onde esse programa de redução de fatalidade e acidentalidade no trânsito pode começar. Não existe mistério, não existe falta de conhecimento sobre o que deve ser feito e como deve ser feito. Nós temos técnicos capazes de fazer um bom programa. Acredito, ainda, não há sequer falta de recursos. O DENATRAN tem, hoje, na sua conta contingenciada, mais de 700 milhões de Reais que o Governo não deixa gastar, porque devem servir para os pagamentos primários.
Agência ABCR – Então por que as ações não saem do papel?
J. Pedro – Nós temos condições, conhecimentos, sabemos onde estão os problemas e onde estão as soluções, e sabemos que, de verdade, tudo o que nos falta é vontade política de agir. Tenho ouvido cada vez mais que o Governo mostra interesse aqui e ali, mas até hoje ele não disse claramente que quer intervir no trânsito, que quer fazer do trânsito um cartão de visita, como deve ser, da sociedade brasileira e do país. Então, é isso que a gente espera que aconteça durante a Década. Dez anos é um tempo bastante razoável para reestruturarmos a base do problema do trânsito no Brasil. Outros dez anos serão necessários para colocar o trânsito brasileiro dentro do seu eixo. Esse é um fato: nenhum país do mundo resolveu de uma hora para outra o problema do trânsito. O Japão começou a enfrentar o problema no final da Segunda Guerra Mundial; os Estados Unidos, depois da Guerra do Vietnã; a Suécia e a França começaram na década de 1960.
Agência ABCR – Segundo a ONU, as lesões causadas por acidentes rodoviários são um grande problema social, econômico, de desenvolvimento e de saúde pública. Qual a aval