Eduardo Biavati é Mestre em Sociologia (UnB) e especialista em educação para o trânsito. Durante a oitava edição do CBR&C ele irá participar como debatedor, no dia 12 de agosto, às 16h, da mesa redonda que abordará temas relacionados com a operação de rodovias.
Agência ABCR – No livro “Rota de colisão”, de sua autoria, o senhor defende a criação de mecanismos de controle de velocidade como uma das formas de se diminuir a violência do trânsito nas ruas e estradas. Qual a realidade desse cenário hoje no Brasil?
O controle da velocidade é uma ferramenta fundamental da segurança viária. O que ainda evitamos reconhecer é que não dominaremos a violência, nem reduziremos as mortes e lesões no trânsito, de modo sustentável, enquanto não implantarmos uma rede extensa de monitoramento eletrônico dos limites de velocidade em nossas cidades e rodovias, a exemplo do que fizeram a França e a Espanha na primeira década do século XXI. Sofremos, porém, de uma profunda resistência política e cultural em dar esse passo, principalmente no espaço rodoviário nacional. As estradas brasileiras são, de modo geral, um deus-dará da velocidade e não é coincidência que metade das mortes no trânsito aconteça justamente em rodovias. É preciso controlar a velocidade, mas isso não basta: teremos que enfrentar, mais cedo do que imaginamos, o debate público e político de revisão e redução dos limites de velocidade nas vias urbanas, se quisermos realmente proteger os usuários mais vulneráveis e integrar a bicicleta ao compartilhamento das vias. É o que os países europeus estão colocando em discussão atualmente – um limite de 30 km/h nas áreas urbanas.
Agência ABCR – O grande volume de acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras está mais relacionado com a falta de fiscalização ou com a má formação dos motoristas?
A tragédia humana que acontece repetidamente há tantas décadas nas rodovias nacionais está relacionada diretamente à ausência e omissão da fiscalização e, portanto, do Poder de Estado na regulação do uso desse espaço pelos cidadãos. O processo de habilitação dos condutores de todas as categorias é um agravante dessa situação de descontrole, sem dúvida, pelo simples fato de que nenhum condutor é preparado para as tarefas altamente complexas de direção em um ambiente rodoviário.
Nosso processo de habilitação, na melhor das hipóteses, prepara o jovem condutor a se virar no trânsito urbano – ninguém treina no mundo real a ultrapassagem de um bitrem em uma rodovia de pista simples, sem acostamento e sinalização precária. A melhor das hipóteses, porém, é rara e o que vemos são condutores geralmente incompetentes para se proteger e, menos ainda, para proteger os demais usuários na estrada. E isso nos leva de volta às responsabilidades do Estado em prover um espaço seguro e a fiscalização eficiente para todos.
Agência ABCR – No final de 2012, duas importantes mudanças legais foram implantadas: o endurecimento da chamada “Lei seca”, que agora estabelece a possibilidade de multa, apreensão do veículo e outras sanções, independente do teste do bafômetro, e a Lei 12.619/2012, que obriga os motoristas profissionais a períodos de trabalho semanal de no máximo 44 horas, com intervalo para descanso a cada quatro horas. Como o senhor avalia tais mudanças?
A introdução do controle de alcoolemia dos condutores de veículos motorizados, antiga letra morta do nosso Código de Trânsito, foi um dos maiores avanços legislativos e culturais da segurança viária na última década no Brasil. Não vou chamá-la de “Lei Seca”, porque isso ela nunca foi, a não ser como um apelido que pretendia desvalorizá-la e enfraquecê-la, formando a opinião de que a Lei era uma proibição do consumo de álcool, uma invasão da privacidade das pessoas e do lazer do brasileiro. É claro que a Lei nunca proibiu ninguém de beber, apenas de beber e dirigir. Ainda mais equivocado seria chamar hoje em dia a lei de “Lei Seca” – não sei se todos entenderam bem que a lei não se refere mais apenas ao consumo de bebidas, bem molhadas, mas também ao consumo de quaisquer substâncias químicas, lícitas ou ilícitas, bem secas, que interfiram com a condução do veículo.
A implementação dessa lei movimentou uma articulação inédita, intersetorial, da gestão pública federal, estadual e municipal, envolvendo a coordenação de ações das áreas de segurança pública, de trânsito, de saúde. Quanto maior foi a integração, melhores foram os resultados, como ocorreu no Rio de Janeiro. Não temos ainda, porém, condições concretas de disseminação ostensiva dessa articulação nem mesmo para abranger todas as regiões das capitais e grandes cidades. Os limites de recursos humanos e econômicos são bem rigorosos, mas temos avançado progressivamente. É exatamente o que vem acontecendo nesse primeiro momento de vigência da Lei 12.619, de regulação da atividade profissionais dos motoristas de transporte de carga: implementar a lei exigirá a superação de muitas barreiras, a começar pelo esforço revisionista que já está acontecendo no Congresso Nacional, visando flexibilizar a aplicação da lei.
Agência ABCR – Como o senhor avalia a conservação das rodovias brasileiras, no que se refere à ocorrência de acidentes?
Eu não tenho dúvida de que o espaço rodoviário nacional – miserável, antiquado, inadequado – é um agente oculto, raramente reconhecido, da tragédia das mortes e lesões no trânsito. Quem nunca ouviu dizer, como uma verdade inquestionável, que “falhas humanas são a causa de 90% dos acidentes”?
Desde pelo menos a década de 30 do século passado, esse é um paradigma de explicação do mundo do trânsito. O modelo está à caça de desvios, erros e falhas do comportamento dos usuários em um sistema complexo de circulação e interação de máquinas e pessoas. O sistema, em si, não está em questão: exceto por uma aberração eventual, vias e veículos não matam ninguém no trânsito. A engenharia viária e a engenharia veicular são ciências exatas; o comportamento dos sujeitos, ao contrário, nunca é exato – é bem mais provável, a quem interessar, que se encontre ali a fonte das causas determinantes da tragédia do trânsito.
Nada mais conveniente do que psicologizar as origens do mal e da violência, ao invés de enfrentar o desprazer de uma auditoria de segurança nos projetos viários e dos desvios gigantescos na execução dos projetos, além de, ainda mais chato, disseminar a dúvida entre os consumidores com recalls de erros de fabricação dos veículos e com sistemas de certificação de segurança veicular (como o LatinCap que, de 1 a 5 estrelas, reserva às carroças motorizadas nacionais 1 única, em média). Tudo convém perfeitamente, também, para ocultar as múltiplas omissões do Poder Público, que detém atribuições exclusivas de sinalização e fiscalização e ordenamento do espaço viário e do uso que dele podem fazer os cidadãos.
Agência ABCR – Em relação à segurança viária, quais seriam os pontos a destacar sejam eles positivos ou negativos?
A segurança viária é uma conquista, um querer coletivo – essa é a lição de todas as socied