O presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho, em entrevista à Agência ABCR, avalia importantes aspectos relacionados com os problemas do trânsito no Brasil e defende a criação da Agência Nacional de Segurança Viária.
Agência ABCR – Levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária referente a 2012 indica que o número real de mortos e feridos no Brasil, vítimas de acidente de trânsito, foi maior que os registrados por dados e estatísticas oficiais. Como o Observatório chegou a esse resultado?
José Aurélio Ramalho: O Brasil possui atualmente inúmeras fontes de dados e premissas de mapeamento dos acidentes de trânsito. Cada órgão que acompanha estas informações adota critérios e fontes diversas, o que ocasiona leituras divergentes e controversas. O Observatório Nacional de Segurança Viária vem desenvolvendo um banco de dados que, segundo diversos cruzamentos e análises de fontes de dados internas e externas, tem o objetivo de definir uma leitura que reflita, em números, um cenário mais realista possível do trânsito Brasileiro. Cabe salientar que nossa preocupação não se limita a encontrar estes números tão somente, mas sim evidenciar a importância deste tema que trata de vidas. Atualmente nossa base de dados utilizada está sustentada na indenização por ocorrências de acidentes de trânsito, onde o Observatório analisa a base de dados da Seguradora Líder DPVAT e da Polícia Rodoviária Federal, e tem como resultado uma primeira fotografia dos acidentes de trânsito no Brasil. Mas não paramos apenas nesta análise, cruzamos outras fontes que possibilitam uma sensível melhora nesta interpretação.
Agência ABCR – Com relação a 2013, já existe alguma indicação se essa realidade piorou ou melhorou?
José Aurélio Ramalho: Pelos levantamentos realizados até setembro de 2013, acreditamos que o número de mortos em todo país vai diminuir em 1 a 2% em relação a 2012. Porém, o que está nos chamado à atenção são os números de feridos e sequelados. Esse número deve ser quase 30% maior que o ano passado. Isso é alarmante. Estamos construindo uma “indústria de feridos” e, consequentemente, para a Previdência Social, uma indústria de aposentados precoce, com mais de 60% dos leitos hospitalares ocupados com acidentados de trânsito, estando a maioria das ocorrências concentrada na faixa etária entre 18 a 34 anos. É preciso a realização de ações mais efetivas de toda sociedade organizada e também do poder público para que possam ser feitas mudanças nesse cenário.
Agência ABCR – Nas últimas décadas, vários países adotaram políticas públicas que reduziram o número de vítimas no trânsito. Quais foram as medidas que surtiram efeito tão positivo e em qual país o Brasil poderia se inspirar e por qual motivo?
José Aurélio Ramalho: Trânsito não tem uma receita pronta. Tudo depende do modal viário, da cultura local, dos governantes, da mobilização da sociedade. Países como a Espanha e a Austrália, que há algumas décadas tinham cenários bem parecidos com os que hoje o Brasil apresenta, investiram na formação do condutor, em campanhas de conscientização, uma eficiente fiscalização e punição rigorosa. Esses três fatores, bem aplicados, transformaram a realidade no trânsito nesses países. A questão é que, no Brasil, não temos um compromisso político sério e voltado para a questão do trânsito. O próprio organograma das entidades públicas e privadas que cuidam de trânsito não sabe bem o que fazem ou onde atuam. Tudo isso precisa ser revisto.
Agência ABCR – Na sua avaliação, qual a importância da criação de um sistema nacional de informações sobre acidentes de trânsito que pudesse servir como base para implantação e avaliação de políticas públicas de prevenção de acidentes? Quais seriam, hoje, os maiores entraves para a criação desse sistema nacional?
José Aurélio Ramalho: Para se tratar uma doença, é preciso de um diagnóstico preciso. Ou seja, não é possível tratar o trânsito com um remédio único, para capitais, interior, para carros, para pedestres, para motoristas ou motociclistas da mesma forma. Portanto, enquanto não houver uma base única de dados, análises, interpretações, e, a partir daí, projetos de mudança nos pontos mais vulneráveis, não vamos mudar esse cenário catastrófico que hoje encontramos. O Observatório Nacional de Segurança Viária encaminhou ao Governo Federal a proposta de criação da Agência Nacional de Segurança Viária. A intenção é que essa agência aglutine todas as informações e catalise as ações através de profissionais capacitados (técnicos/especialistas) para analisar a situação de cada município. Só depende da vontade política.
Agência ABCR – Quais as principais causas de acidentes de trânsito no Brasil e como as autoridades e órgãos ligados a essa verdadeira tragédia nacional poderiam atacar o problema?
José Aurélio Ramalho: São várias as causas dos acidentes. Hoje, o Observatório elencou duas principais causas que têm sido trabalhadas exaustivamente em várias frentes: o excesso de velocidade e o uso do celular ao volante. Essas duas causas são as que mais preocupam nossos técnicos. O desrespeito com a sinalização de limite máximo de velocidade nas vias e a negligência com a atenção ao volante (no caso do celular) devem ser combatidos firmemente pelos órgãos fiscalizadores e ser motivo de campanhas permanentes por parte dos nossos governos. Somente dessa forma conseguiremos conscientizar a todos que dirigir acima da velocidade mata e falar ao celular dirigindo é mortal, em qualquer situação. Estamos trabalhando junto ao Congresso Nacional para implantação da “fiscalização ponto a ponto”, que se demonstrou eficaz em alguns países, ou seja, fiscalizar a velocidade média na via.
Agência ABCR – A Lei Seca surgiu como uma medida capaz de diminuir o número de pessoas que bebem e dirigem em seguida, aumentando o risco de acidentes nas rodovias e cidades brasileiras. O senhor acredita que o brasileiro já superou a fase em que ainda temia as blitze e poderia ser punido por beber e dirigir? Por que os motoristas brasileiros não levam a sério e não cumprem a legislação de trânsito?
José Aurélio Ramalho: Porque não temos uma cultura de segurança viária instalada no nosso país. As pessoas não têm respeito, não têm consciência e não são punidas. Todos esses fatores criam essa situação de insegurança, imprudência, imperícia e negligência no trânsito.
Agência ABCR – Ações de incentivo à educação para o trânsito seriam importantes para melhorar esse cenário?
José Aurélio R amalho: Claro. Tudo começa com a educação. Porém, é difícil educar quem já passou dos 30 ou 40 anos. Nesse caso, a punição rigorosa e a conscientização permanente podem fazer com que a sociedade exija do cidadão prudência e respeito com quem transita. A educação é fundamental, desde os primeiros anos escolares.
Agência ABCR – Quanto ao processo de habilitação dos condutores, é possível su