Agência Infra – A prometida Medida Provisória para tentar solucionar o problema das rodovias concedidas ainda não saiu. Por que o senhor acha que ela ainda não foi publicada?
Só o governo pode responder isso, sinceramente. Não sei porque não foi ainda. A notícia que disponho é que o governo está empenhado em publicar porque há urgência em verificar aquelas concessões que podem ser encaixadas nessa nova MP de forma que retomem os investimentos de infraestrutura tão necessários para o país. Mas está demorando. Há um atraso, uma lentidão para a solução, que não vem de agora. Comecei a tratar desse assunto desde que cheguei na ABCR, em setembro de 2016.
A que o senhor atribui essa demora?
Num primeiro momento, faltou entendimento de que era importante manter as concessões funcionando no aspecto de investimentos, de melhorias na infraestrutura. Essa solução tinha que vir do governo, que é o poder concedente. O setor privado fez sugestões, apresentou cartas relacionando o contexto dos problemas, caminhos a serem seguidos. Mas o governo houve por bem tomar outros caminhos, o que foi até uma surpresa, que foi a edição da MP 752.
Por que foi surpresa?
Não estava no cenário, delineada. Ela apareceu de uma hora para outra. Foi feita uma MP para que aja a possibilidade de uma devolução amigável, o que achamos de difícil execução. Ia demorar e a prática está demonstrando isso. Estamos há 10 meses do fato e, simplesmente, nada andou. Você pode constatar em cima de dados da EPL que os investimentos têm caído significativamente no setor de infraestrutura, com queda acentuada nos investimentos públicos e mais ainda nos investimentos privados.
Quais são os números?
Os gastos totais regrediram desde 2014. A queda é de 26%, de acordo com dados do governo que vocês da Agência iNFRA informaram. Separado o gasto privado, a queda é ainda maior, de 36%, considerado gastos com rodovia, ferrovia e aeroporto. Foram só R$ 8,9 bilhões no ano passado e esse ano vai ser menos ainda porque o investimento de 2014 até 2016 foi o da terceira etapa das rodovias e das concessões de aeroportos. Agora não tem mais isso, as obras foram concluídas nos aeroportos e as novas não começaram. No setor de rodovias, quase todas estão paralisadas. A MP demorou para ser editada e, quando foi, a única janela que deixou foi a da relicitação. Ela foi aprovada já no fim do prazo possível e se retirou o mais importante para o setor de rodovias que era possibilitar ampliar o prazo dos investimentos. As empresas paralisaram. Hoje não tem nem investimento público, porque não há recursos no orçamento, e de forma idêntica no setor privado.
O que falta para a MP ser utilizada?
A MP sequer tem regulamentação que permita ser utilizada. Isso é preciso para a empresa que quiser ou tiver vontade de fazer uma devolução amigável possa conversar com alguém para saber como será o acordo, o que terá de ressarcimento, como paga. Ela precisa de regulamentação, de contratar empresa para definir modelagem e isso não foi feito. Isso significa que daqui a 2 anos vamos estar falando do mesmo assunto. E sem os investimentos.
Na tramitação da MP havia um acordo para que se pudesse ampliar o prazo de investimentos de cinco para 12 anos. O governo disse que as empresas quiseram prazo maior e nada foi aprovado. Isso de fato ocorreu?
Isso aconteceu, mas foi decisão do parlamento e num acordo com o governo que tem maioria parlamentar. Como deixou para ser votado no último momento antes da caducidade dela, a oposição colocou a faca no peito e o governo aceitou retirar o artigo que permitia reescalonar os investimentos. Paciência, o governo salvou o restante que tinha mais interesse, principalmente na parte ferroviária, na parte referente aos aeroportos. Mas a parte rodoviária ficou sem solução, ficou na chuva. A nova MP, que está sendo aventada, que não tiro o mérito do governo, do Ministério do Planejamento, principalmente, já tem mais de 60 dias que está sendo discutida e não foi editada.
Qual a consequência disso para os usuários?
A situação das estradas, da BR-060, da BR-262, não tem solução. As empresas estão na expectativa para reformular o seu planejamento, seus planos de negócios, para voltar a investir. O BNDES quer ver essas concessões viáveis. Tem empréstimos ponte de R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões que foram investidos em 2014, 2015. Mas agora o dinheiro acabou. Precisa de empréstimo de longo prazo, mas precisa iniciar por essa questão de recompor a modelagem com o reperfilamento dos investimentos. Mas não vai ser nada gracioso. Vai ter diminuição de tarifa. Quando o investimento não é realizado você recalcula, dando um desconto.
Isso já tem consequências para os trabalhadores do setor e usuários das rodovias?
Com a paralisação, milhares de trabalhadores foram demitidos, em torno de cinco mil é nossa estimativa nas cinco concessões. Com relação aos serviços, o usuário está prejudicado porque os serviços não estão sendo feitos. No caso do Mato Grosso do Sul, até a OAB entrou com ação na Justiça Federal. A ANTT vai ter que dar uma reposta em 90 dias, já passaram uns em 15 dias, sobre o teor da carta feita pela MS Vias solicitando readequação do contrato. A MS Vias já fez, alertando. Ela estava em dia com os investimentos até 1º de abril. Ela fez a carta e disse que teria que parar porque estavam defasados em relação ao contrato e explicou os motivos. A ANTT não deu resposta até hoje.
O senhor teme que esse tipo de ação e outras que estão por vir, falam até em CPI no Congresso, possa desestabilizar o sistema de concessões públicas federal?
Acho que desestabilizar, não. Mas alertávamos já no ano passado para todas as autoridades que iam parar os investimentos e era preciso dar uma solução. A única solução foi a MP mas que não tem eficácia por não ter a regulamentação. Então, está tudo parado. Será que é essa a solução melhor para o país? O governo federal tem que liderar a procura de uma solução. Se há dificuldade, por exemplo com o TCU, que se vá lá e explique, faça um trabalho de convencimento. Quem paga é o usuário e isso é muito ruim. Do ano passado para cá, o setor não está tendo investimentos.
O senhor fala que o governo precisa liderar uma solução. O quanto a crise política já está atrapalhando essa possível solução?
Não vejo a crise política atuando tão fortemente nessa questão. Em 2016, não havia crise política. Teve o impeachment e um governo começando a trabalhar, falando em retomar o desenvolvimento e combater a recessão com investimento em infraestrutura. Esse investimento tem uma duplicidade de vantagens. São mais empregos, gera impostos e mais receita para o governo, que tem problema de redução das receitas. Por outro lado, desafoga o custo de produção do país. O produto barateia, o Brasil ganha competitividade. Tem duas vantagens que se somam. Todos são unânimes em dizer isso. Mas falta ação.
Mas não é a crise política que leva a essa inação?
Não. Quando começamos a conversar sobre isso no ano passado, o governo estava iniciando as providências. Ma s, lamentavelmente, as coisas não aconteceram e quando aconteceram foram inócuas.